sábado, 19 de dezembro de 2009

A Cura


Por Hans Paul Mösl Junior


Temos aqui, a meu ver, um romance de fácil leitura com uma estrutura bem interessante.
O enredo de A Cura de Schopenhauer é a história do psiquiatra Julius Hertzfeld que descobre ter pouco tempo de vida devido a um câncer. O personagem passa a refletir sobre o que realmente importa e o que ele ainda pode fazer antes de morrer.
Enquanto lida com seu drama pessoal, o protagonista começa a lembrar de seus antigos casos e procura um homem em especial que ele no passado não conseguiu “curar”.
Em um último esforço o psiquiatra decide continuar com a terapia em grupo que ele coordenava com o intuito de tentar ajudar uma última leva de pacientes.
Em conjunto com a narrativa do romance, o autor vai adicionando, ao longo do livro, explicações muito interessantes sobre a obra de Arthur Schopenhauer, bem como mostrando sua importância no campo da psicanálise.
Apresentam-se ainda fatos interessantes sobre a vida de Schopenhauer, desde seu nascimento até o momento em que finalmente atinge seu objetivo: o reconhecimento.
Assim, Irvin D. Yalom concede a nós, leitores, um romance, uma biografia e uma análise da obra do grande filósofo alemão.

Triplamente recomendado.


Livro: A Cura de Schopenhauer
Autor: Irvin D. Yalom
Editora: Ediouro
Gênero: Romance
Ano: 2005

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Retratos de Clarice


Se há algo de definitivo a se dizer da prosa de Clarice Lispector, é que esta não é normal. E normalidade, em todos os sentidos, por ela é negada. Seja em relação à sua óbvia grandiosidade, representativa de nossa literatura, seja em relação aos aspectos intrínsecos de seu estilo deveras peculiar.
A palavra de Clarice (palavra viva, escrita com todo o corpo) revela uma prosa intimista, em que o próprio texto se faz personagem e age com toda sua personalidade sobre o leitor. Assim somos devorados por sua escrita labiríntica e vertiginosa, consumidos por seu pulso expressivo ao captar cada detalhe em todo instante de poesia.
Retratos de Clarice trata de sua última obra A Hora da Estrela, buscando compreender o funcionamento dos elementos narrativos sob variadas perspectivas.



Por Fellipe Marinelli

Desnudando uma Ótica Centralizadora - Por Que uma Máscara Autoral Masculina?
Clarice Lispector ao eleger como pseudo-autor e narrador de sua obra ficcional “A hora da estrela” a voz narrativa masculina, deseja colocar em debate a questão dos limites entre autoria e o fazer artístico, entre realidade e ficção, como também, e mais enfaticamente, colaborar para resolução das contradições a respeito da escrita feminina: uma modalidade de escritura analisada pela crítica literária da época como uma arte menor, e categorizada dessa maneira, por ser acusada de veicular um discurso de interesse específico das mulheres.
Sabiamente, a autora revestida da máscara autoral, do heterônimo Rodrigo S.M., afirma: “também eu não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria / um outro escritor, sim, mas teria que ser homem, porque escritora pode lacrimejar piegas”. É de forma totalmente irônica que o deus, como se refere o narrador-personagem as mãos que o tece, justifica a sua escolha de uma voz masculina para a história a qual será construída. Ao revelar que qualquer escritor seria capaz de tecer um enredo ralo e insignificante como aquele, exceto às mulheres, Clarice sarcástica e intencionalmente põe em discussão o preconceito em relação à escrita classificada como feminina, além de questionar a profundidade das obras literárias concebidas pelas mãos legitimadas dos autores do “primeiro sexo”.
O romance “A hora da estrela” tem como objetivo central revelar a vida a uma moça nordestina, dentre milhares de outras; nordestina esta que fixou a sua imagem no interior do autor-narrador e reclama a sua existência. Rodrigo S.M. afirma que escreve, tentando libertar-se o mais rápido da presença angustiante dessa datilógrafa.
Ao arquitetar o enredo do romance e traçar os contornos da personagem Macabéa, Rodrigo que além de autor atua também como peça importante do enredo, aproveita-se do processo de escritura e criação para descobrir a si mesmo. É por meio do processo artístico de composição da personagem rala, insignificante, nadificada, ignorante, incompetente e feia, que o autor “fictício” ganha vida e contornos delineados, visto que sua vida possui duração limitada, pois durará o tempo destinado à narração da hora de Macabéa.
Mesmo sendo dependente desta moça nordestina para ganhar a vida, já que se constrói no mesmo momento da materialização do signo linguístico, o autor e narrador-personagem da obra diegética julga-a, carnavaliza e desconstroi toda a sua humanidade, e mais, aponta suas características incompatíveis com a feminilidade, isto é, a impossibilidade da nordestina em tornar-se mulher.
A personagem Macabéa é toda construída sob amarras e limitações. O narrador-personagem, Rodrigo S.M., priva-a de se constituir como mulher, do contato com o mundo, dos desejos e vontades, da sensualidade. Ele a narra como sendo subterrânea e, por esse motivo, não havia tido, nem nunca haveria de ter floração, porque a datilógrafa era “capim vagabundo”.
É interessante ressaltar, que ao atribuir as funções de autor e narrador a um ser ficcional do gênero masculino, a autora real da obra literária deseja desnudar a ótica masculina, isto é, revelar por meio de voz textual máscula o pensamento e posições ideológicas preconceituosas / passadistas dos integrantes deste gênero centralizador em relação às mulheres e questões ligadas à feminilidade.
Através do discurso pronunciado pelo narrador-personagem, nós leitores somos tomados ora por uma intensa e constante angústia, ora por uma sensação de repulsa e raiva, por observar um tipo humano passivo, miserável e confortado de sua condição: o de representar somente o papel reservado a exercer.
O pseudo-autor atribui a personagem Macabéa características destrutivas, precárias e miseráveis, fazendo com que ela não seja enquadrada em nenhuma categoria, por ser dessemelhante de todas as existentes. A personagem é formada pelas avessas, pela paródia, podendo dessa maneira dizer que ela é o contrário de todas as especificidades femininas, simplesmente por ser ausente de elementos biótipos da feminilidade.
Macabéa é composta de maneira antitética em comparação ao estereótipo feminino em vigor: “[...] mal tem corpo para vender [...]”; “[...] assoava o nariz na barra da combinação, não tinha aquela coisa delicada que se chama encanto [...]”; “[...] o fato de vir a ser mulher não parecia pertencer à sua vocação [...]”. Ao dizer o explicitado acima, o narrador sugere que faltava-lhe a substância, isto é, o “delicado essencial”. Enquanto a ótica patriarcal observa a mulher como um ser animalizado, não dotado de razão, portanto tendo a necessidade de ser domado e adestrado, a fim de controlar os ilimitados desejos; a personagem alagoana é arquitetada em oposição a esta visão padronizada. Macabéa quase não possui desejos, ou quando os tem, esquece-os e arrepende-se de tê-los tido; não faz questionamentos; aceita resignada às criticas e sua condição miserável e, é satisfeita, mesmo sendo oprimida por e subserviente a um sistema social indiferente.
Enfim, ao trazer para o campo literário uma mulher tão díspare dos demais tipos femininos, uma figura feminina sem vigor, sem personalidade, sem encanto, ausente de desejos e “incompetente para a vida”; Clarice – ou o próprio Rodrigo – deseja[m] promover uma consistente reflexão que tangencia as ilusórias diferenças entre a posição e função do homem e da mulher no contexto sociológico e histórico.

Prosseguindo os assuntos debatidos neste trabalho, devemos retomar questões levantadas, porém pouco desenvolvidas. Então, no início desta segunda parte, sugerimos que ao tecer sua última obra ficcional, a novela “A hora da estrela”, Clarice Lispector desejasse desabafar, colocando em evidência problematizações sobre a categorização da escrita sexista, definida assim, por teorias biológicas e anatômicas.
É sabido que nenhum ser humano ao nascer possui uma sexualidade definida. Como afirma Freud em uma das suas asserções: “ninguém nasce homem ou mulher – tornamo-nos homens ou mulheres ao atravessar com sucesso o percurso edípico.” Utilizando o explicitado pelo psicanalista Freud, desejo assinalar que o que identifica a escrita como sendo pertencente a modalidade feminina, não são, tampouco, os traços naturais sinalizados pelo indivíduo de posse do texto, mas sim, quando o registro tanto no plano temático quanto no expressivo / simbólico apresentam um discurso e uma melodia narrativa tão somente encontrada na feminilidade.
Macabéa intencionalmente é um ser ficcional constituído segundo a ótica centralizadora e castradora do universo masculino, já que é por meio das diferenças apontadas no físico, ações e pensamentos da nordestina, em comparação aos demais tipos femininos, que a autora revela sua opinião divergente da alienada sociedade, porque desconsidera a diferença entre homens e mulheres.

Não se trata apenas de narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira. Material poroso, um dia viverei aqui a vida de uma molécula com seu estrondo possível de átomos. O que escrevo é mais do que invenção, é minha obrigação contar sobre essa moça entre milhares delas. È dever meu, nem que seja e pouca arte, o de revelar-lhe a vida.
Porque há o direito ao grito.
Então eu grito.
(A Hora da Estrela, 1998 p.13)

Na tessitura textual podem-se detectar marcas específicas da modalidade de escrita adjetivada como feminina, ou seja, é observável um modo de tecer cujo desejo é romper os limites do próprio signo lingüístico, na luta infindável de coisificá-lo e dessimbolizá-lo. Além de ser um tipo de escritura que se distancia dos demais pelo víeis simbólico, o registrado na obra literária de Clarice diferencia-se das atribuídas aos autores homens, pelo fato de se envolver com a queda de tabus sociais, com as questões ligadas à mulher e por destronar de maneira bastante equilibrada, as posições ideológicas, sociais e culturais hegemônicas que oprimem, inferiorizam, excluem e restringem o ser humano em categorias fixas, definidas somente pelas forças naturais sinalizadas pelo corpo, ou seja, pelos órgãos sexuais.
Referências Bibliográficas:
HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Imago.
LISPECTOR, Clarisse. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.SANTOS, Jair Ferreira de. O que é pós-moderno. 10.ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.

(Fellipe Marinelli é estudante do 8º período de Letras,
no Centro Universitário Plínio Leite)




Por Idrissa Novo
(Des)Conformação dos Personagens em "A Hora da Estrela"
1. PANORAMA LITERÁRIO

O Modernismo foi um movimento preocupado em anular tudo o que antes existia. Para a nova escola, negar o passado era uma maneira de se formar o presente e pensar no futuro.
Esse novo período literário teve seu surgimento no Brasil com a chamada “Semana de 22”, que propunha ideias inovadoras, pautadas nas vanguardas européias: futurismo, cubismo, expressionismo, dadaísmo e surrealismo.
Os Andrades, Oswald e Mário, construíam suas obras sob o princípio de negar o lusitanismo exacerbado e edificar uma identidade essencialmente brasileira – indígena, negra e branca ao mesmo tempo –, uma perspectiva nacionalista.
A dita segunda fase modernista, contrariamente neste ponto, opõe-se ao caráter demolidor da produção literária da geração anterior, substituindo as propostas de destruição da tradição por uma perspectiva construtiva, que revaloriza o passado e amadurece os ideais primordiais.
Esse ponto de vista construtivo aponta já para aquela que se convém chamar de terceira fase modernista. Os autores dessa geração procuram atingir o senso de compromisso entre o senso e realidade, valorando o engajamento de suas obras na vida social. Além disso, praticam a literatura como constante pesquisa de linguagem.
Dos escritores de renome dessa fase modernista, releva-se aqui Clarisse Lispector, não mais importante que os outros, mas aquela unicamente capaz de dialogar tão bem com as fronteiras do indizível.

2. CLARISSE LISPECTOR – (PÓS) MODERNISTA

No século XIX, Friedrich Nietzsche houvera proclamado a morte do Deus soberano e absoluto. Ao lado da vertiginosa aceleração técnico-científica, da velocidade e do progresso, assimilava-se a ausência de valores humanos, proporcionados pela família e pela religião – instituições ainda sólidas.
Mais tarde, a partir dos anos 60, Derrida começa a formar a ideia de que o homem não é um ser bidimensional, cartesiano. Atormentado por mais não ser estruturado, o sujeito entra em crise: sou nada? sou tudo? sou nada e tudo? Está, então, marcado o “surgimento efetivo” do chamado pós-modernismo.
O homem pós-moderno é hedonista, consumista, amante da tecnociência. Vive na sociedade do espetáculo; prefere o virtual ao real (hiperreal simulado). Tem que fazer escolhas e tomar decisões de maneira rápida, impulsiva. E, acima de tudo, é fragmentado: uma unidade constituída de pluralidade.
A partir desse pensamento, é que se fala em desreferencialização do real e dessubistancialização do sujeito: 1) o referente não é mais reconhecido na realidade e sim no seu simulacro; 2) o sujeito não mais reconhece a sua identidade, desconstruída pela avalanche de informações que o cercam.
Mas, enfim, o que Clarisse tem a ver com esse pós-modernismo? Ela não pertence à escola modernista?
Ora, bem se sabe que a literatura não é um estudo de cronologia. As ideias mais veementes de um período não deixam de existir subitamente para que outras emirjam do nada.
Deste modo, quando se traça uma ponte entre Clarisse e a literatura pós-modernista, está se querendo valorar a sua forma de fazer poético. Assim como essa nova postura literária, a escritora não mais segue à linearidade, não constrói personagens bem definidos – é o reconhecimento também da descentralização da escrita.

3. A HORA DA ESTRELA

Um exemplo dessa escrita não-linear da Clarisse é a novela A hora da estrela. Aqui breve faremos um comentário sobre o enredo do livro, para que logo após se teça um específico estudo sobre os principais personagens desta trama.
Macabéa é uma nordestina que tem sua história contada por Rodrigo S. M., máscara autoral de Clarisse. A moça é uma mísera datilógrafa, desprovida de beleza e que mal tem a consciência de existir. Conhece a paixão através de Olímpico, nordestino ladrão e assassino, que logo a troca por Glória, colega de trabalho de Macabéa.
No mais, consulta uma cartomante, que lhe predestina um glorioso futuro, mas acaba por ter um fim desastroso – a morte por atropelamento. Finalmente, chegara a hora da estrela.



4. PERSONAGENS

Como já se sabe, Rodrigo S. M. é o narrador d’A hora da estrela. Ele diz que a sua história terá sete personagens. No entanto, apenas cinco são mais relevantes: Macabéa, Olímpico, Glória, a cartomante Carlota e o próprio narrador.
Macabéa é a personagem principal. Vinda de origem nordestina, era considerada “desprovida de insígnias femininas”; estava perdida em si mesma. Símbolo do não ter e do não ser – sem beleza, inteligência, riqueza. Sem família, sem centro. Representa aquele que está marginalizado; é capim.
Gostava das curiosidades banais. Era uma datilógrafa que errava demais e não sabia se expressar. Virgem e inócua – pura e inocente. Mas, até onde ia essa pureza? Somente no corpo? Talvez no espírito. Ou mais: na linguagem simples. Assim como a língua, virgem e inócua. Macabéa é, então, a própria palavra. A própria existência.
Suas perguntas eram aparentemente desinteressantes. Todavia, não está nas coisas mais simples, a existência? O nada revela a existência. Macabéa é “vida primária que respira, respira, respira”.
Mesmo assim, era dispensada por todos. Até por sua única paixão – Olímpico. Como a moça, ele era nordestino. Contudo, ao contrário de Macabéa, ele tinha a seu favor o dom do discurso. Era ladrão e assassino, de caráter definido. Era fértil, viril.
Logo dispensa a moça de “óvulos murchos” para ficar com a colega de trabalho de Macabéa. Glória (que nome sugestivo) era bem-sucedida profissionalmente – estenógrafa hábil -, tinha sensualidade e era “filha de açougueiro”. Tinha estabilidade e status – “carioca da gema”.
Desamparada, depois de tanta humilhação, a nordestina vai a uma cartomante (sugestão de Glória). A vidente Carlota representa a figura da mãe zelosa. Personagem cheia de dualidades é santa e prostituta; ex-caftina e temente a Deus. Vivia na periferia – lugar onde se encontram os místicos.
É ela a responsável por “levantar o véu da verdadeira condição existencial de Macabéa”. Com o discurso altamente fluente, primeiro revela à moça a vida desafortunada que esta possui. Depois, constrói um texto bem estruturado em que relata as soluções para os problemas enfrentados por Macabéa. Ela reverte a derrota em vitória.
O futuro de Macabéa está traçado. Ela descobre a hora em que pode finalmente ser estrela: na hora de sua morte.

4.1. Rodrigo S. M. e Macabéa

Um dos personagens mais interessantes na obra é Rodrigo S. M. Primeiro, porque, como já dito, ele representa a “máscara autoral” de Clarisse Lispector. Temos aí a primeira questão instigante acerca desse narrador. A escritora elege um homem para contar a história de uma mulher. Por quê?
Ora, um homem é, sociamente constituído, como um ser lógico, objetivo. Portanto, pode muito bem contar algo de forma imparcial, sem muita melancolia, utilizando uma linguagem “simples, fria e calculista”. Rodrigo não pinta Macabéa; ele a fotografa.
Entretanto, o mais interessante nesse personagem é a sua relação com Macabéa. Parece que ao relatar a história da moça, o narrador se auto-descobre. Ao mesmo tempo em que descreve as características da nordestina, questiona as sua própria condição humana na sociedade.
Às vezes, ele deseja o segredo; noutras o grito. Macabéa também ora se auto-questiona, ora sente explosão.
Rodrigo, paulatinamente, constrói a nordestina – “trabalho de carpintaria”. Macabéa é uma vida, que se ergue pouco a pouco. Por isso, faz-se necessário falar do processo de construção, dando-nos a impressão de que criar é um processo demorado e que requer paciência, assim como o fazer poético.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De tudo o que foi falado, o que se pode apreender sobre Clarisse é esse jeito especial e singular de falar de questões aparentemente indizíveis. Também, ponderar sobre o processo de construção poética, por meio da história de uma nordestina, faz-nos reconhecer a genialidade dessa grande escritora para escrever como uma canção que vai-volta e nos embala.



6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Imago.
LISPECTOR, Clarisse. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.SANTOS, Jair Ferreira de. O que é pós-moderno. 10.ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.


(Idrissa Novo é estudante do 6º período de Letras,
no Centro Universitário Plínio Leite)












quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Henri Cartier-Bresson

Henri Cartier-Bresson nasceu no dia 22 de agosto de 1908 e morreu, aos 95 anos, no dia 2 de agosto de 2004. Foi um dos mais importantes fotógrafos do século XX. Durante uma viagem a Marselha, ele descobriu verdadeiramente a fotografia, inspirado por uma fotografia do húngaro Martin Munkacsi, publicada na revista Photographies (1931), onde os 3 meninos negros nus no Congo, que saem correndo em direção às ondas do mar, numa coreografia de dança, com a liberdade genuína do ser humano. Dizem aqueles que o conhecem, que é a única foto em sua parede.


Entre 1932 e 1934, Cartier-Bresson fez algumas de suas melhores fotografias. Apesar de ter começado olhando para os despossuídos e oprimidos, principais temas dos foto-jornalismo, muito cedo estas mesmas fotos impressionaram a França, Espanha, Itália, México, como arte, muito mais do que como reportagem. Durante a Segunda Guerra Mundial, Bresson serviu o exército francês e foi capturado e levado para um campo de prisioneiros de guerra. Tentou por duas vezes escapar e somente na terceira obteve sucesso. Momentos antes de ser capturado pelo exército alemão, Cartier-bresson conseguiu enterrar sua leica em um local seguro. Ela foi desenterrada por ele logo após a sua terceira tentativa de fuga, dessa vez bem-sucedida.Em 1946 ficou sabendo que o MOMA estava planejando uma exibição póstuma de suas fotos, pois achavam que ele havia morrido na guerra. Informados de que Bresson estava vivo, a exposição foi transformada em uma retrospectiva de suas fotos em meio de carreira. Após a guerra, Cartier-Bresson, em 1947, fundou a agência fotográfica Magnum junto com Bill Vandivert, Robert Capa, George Rodger e David Seymour "Chim". Revistas como a Life, Vogue e Harper's Bazaar contrataram-no para viajar o mundo e registrar imagens únicas. Entre 1948 e 1950, fotografou o fim do domínio britânico na Índia e o assassinato de Mohandas Gandhi. Na China fotografou os primeiros meses de Mao Tse Tung. Este período estabeleu sua reputação como foto-jornalista de incomparável sensibilidade e habilidade. Tendo trabalhado mais de meio século a capturar o drama humano com sua câmera, é considerado por muitos como o pai do fotojornalismo.

Desprezava fotografias arranjadas e cenários artificiais. Seu conceito de fotografia baseava-se no que ele chamava de "o momento decisivo" -- quando todos os elementos externos estão no lugar ideal. A fotografia por si só não o interessava, somente a reportagem fotográfica, onde há a comunicação entre o homem e o mundo. Não tinha imaginação para fazer cinema, somente fotografia, por isto filmou documentários. Dentre eles LE RETOUR, um documentário sobre os campos nazistas e a volta da guerra. Essas e muitas outras fotos podem agora ser conferidas no livro Fotógrafo, que a Editora Sesc-SP acaba de lançar no mercado nacional. Trata-se de 155 imagens selecionadas pelo próprio Cartier-Bresson em 1979. O livro ainda tem prefácio do poeta francês Yves Bonnefoy, traduzido por Célia Euvaldo.



''FOTOGRAFAR É COLOCAR NA MESMA LINHA DE MIRA, A CABEÇA, O OLHO E O CORAÇÃO.'' Henri Cartier-Bresson

Claudio Junior

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Rir é o melhor remédio?


Certamente, a adaptação para o teatro de uma obra literária daquele que, por não poucos, é considerado o maior nome da literatura destas terras tropicais, não é tarefa fácil. O escritor é ninguém mais ninguém menos que Machado de Assis e a obra de que se trata é o seu conto de 1882, “O Alienista”.
O cinema nacional oferece exemplos tenebrosos de releituras precipitadas, assim como no teatro, não raro, tropeçam as produções em olhares totalmente despropositados da obra machadiana.
“O Alienista: Uma Leitura Esquizofrênica” mostra, justamente, o oposto; a adaptação do conto clássico do Bruxo do Cosme Velho para a encenação de um monólogo é impecável.
“Com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”, a peça é pintada, sendo ressaltados os aspectos exatos pelos quais a obra do escritor faz-se perene. A ironia fina é prato cheio para o ator Gustavo Ottoni, de cuja língua escorre veneno e a quem se deve (em especial) o mérito de fazer da arte em cena, espetáculo. Transmutando-se freneticamente numa gama de personagens, assume, ora na imagem do excêntrico Dr. Simão Bacamarte, ora no retrato das figuras mais bizarras que habitam a vila de Itaguaí, o grotesco peculiar dos tipos humanos microscopicamente analisados no conto de Machado, enquanto denuncia uma sociedade hipócrita, guiada pelas aparências e jogos de interesses (não muito diferente da que conhecemos atualmente).
A discussão continua no debate filosófico acerca dos limites tênues entre razão e insanidade, sendo posta em questão o influente papel da ciência, que, no século XIX, exercia a sua inquisição do pensamento.
Apostando no humor inteligente e sagacidade, o monólogo prende o espectador durante todo o tempo. O cenário intimista, composto por apenas uma única cadeira, além da iluminação preciosa, que toma conta do palco com sua coloração verde, fazem com que o público vivencie o universo absurdo da Casa de Orates do Dr. Bacamarte.
Para quem sofre da doença do tédio e da mesmice contagiosa de comédias que abusam do apelo sexual e palavreado chulo gratuito, eis o remédio. “O Alienista: Uma Leitura Esquizofrênica” capta o espírito do texto de Machado na dose certa. Altamente recomendável.

Direção: Gustavo Ottoni e Letícia Guimarães

Local: Teatro da UFF, Rua Miguel de Frias, 9, Icaraí, Niterói

Dias: 21, 22 e 23 de agosto

Horários: Sexta e sábado, às 21h Domingo, às 20h

Ingressos: R$ 30, R$ 20 (com filipeta), R$ 15 (estudantes, servidores da UFF e maiores de 60 anos)

Classificação etária: 12 anos

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Subversa recomenda...


Na última sexta feira, a Subversa marcou a sua notável presença no clássico palco niteroiense do Centro de Artes da UFF, na noite de estreia de mais um espetáculo teatral cômico, estrelado pela veterana atriz global Elizabeth Savala. Neste monólogo intitulado de Friziléia, a atriz se personifica em uma mulher comum, síntese da Amélia à brasileira, que exausta de ver seus sonhos reprimidos em defesa de valores sociais e familiares, ou por falta de coragem/iniciativa de combatê-los, encontra-se à beira de um ataque de nervos e uma consequente crise de identidade.
Durante os ligeiros 90 minutos, a hilária operária do lar consegue a façanha de divertir e atrair emocionalmente os espectadores presentes, principalmente as espectadoras e, fazê-las protagonistas da história ficcional, fielmente imitada pela realidade, além de permitir a reflexão sobre a árdua tarefa de ser uma mulher pós-moderna, mesmo convivendo num meio de costumes e instituições passadistas, que nos remetem para o período medieval.
Enfim, a tragicomédia “Friziléia” apresenta como mote a revisão pessoal que a personagem faz, utilizando-se das tonalidades cômicas, dos sonhos da juventude e das escolhas que a levaram ao aparente beco sem saída em que se encontra – um casamento sem vitalidade, mantido por inércia e nenhuma realização pessoal. O espetáculo resulta em entretenimento de qualidade, sem ambições, mas também sem apelo à vulgaridade.
É interessante esclarecer que a Subversa não se restringe a recomendar aos nossos saudosos e assíduos leitores espetáculos artísticos inseridos nesta categoria literária, porém a oferta de produções artísticas desta natureza apresenta-se em número exorbitante, tanto em nossa querida Niterói, quanto nos palcos cariocas.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Subversa Recomenda

"O Leitor" (The Reader)



Atendendo a recomendações intimativas para assistir ao filme “O Leitor” (The Reader), do diretor inglês Stephen Daldry, senti-me tentado (obrigado) a descobrir o que a obra guardava de tão especial, além das 5 indicações da Academia (melhor atriz, melhor roteiro adaptado, melhor fotografia, melhor filme e melhor diretor).
Fazia tempo mesmo que já haviam comentado sobre o filme comigo (que, vale lembrar, é baseado no livro homônimo do escritor alemão Bernhard Schilnk) e vez e outra ouvia o seu nome em conversas casuais; enfim, desde que foi lançado nos cinemas brasileiros, no início deste ano, interessei-me por ele por trazer como protagonista a vencedora do Oscar ’09, Kate Winslet (aquela mesma de “Titanic” e “O Amor Não Tira Férias”), que, previsivelmente bela, surpreendeu com uma excelente atuação.
A história começa no ano de 1995, quando Michael Berg, um homem melancólico, interpretado por Ralph Fiennes, relembra um passado distante que, no entanto, é elemento determinante para entender o seu presente. Um flashback repentino leva o enredo para o final da década de 50, na Alemanha Ocidental, quando o jovem Michael, de apenas 15 anos e acometido de escarlatina, é socorrido pela já madura e misteriosa Hanna Schmitz, interpretada por Kate Winslet, envolvendo-se com esta num romance arrebatador. O menino vive seu primeiro amor e tem sua vida transformada completamente.
O título do filme faz referência a uma característica especial do relacionamento dos dois. Nos encontros amorosos, Hanna interessa-se pelas atividades de Michael na escola, em destaque a literatura. A partir de então, pede sempre para que o jovem leia algumas das obras clássicas que estuda, revelando um incomum interesse pelas leituras.
Uma grande reviravolta e alguns saltos no tempo mudam totalmente o quadro da história. A cada minuto mais envolvente, o drama de Daldry expressa de forma veemente até que ponto podem ser questionadas nossas maiores verdades. Para o universo das Letras, acrescenta-se, ainda, o quão longe podem nos levar as palavras e seu poder de humanização. Assim como é apontado no filme, o mistério é característica fundamental na literatura ocidental, sendo confirmada a tese pelos personagens de “O Leitor”, que trazem consigo um grande segredo, elemento imprescindível para o desvelar de sua trama.

Título: "O Leitor" (The Reader)
País de origem: EUA/Alemanha
Gênero: Drama
Classificação etária: 16 anos
Duração: 124 minutos
Ano de lançamento: 2008

Conto Infantil


Quem apagou a luz?


Maria era uma menina muito esperta. Quando perguntavam quantos anos ela tinha, respondia rapidamente:- Tenho assim (e mostrava dois com os dedos da mãozinha), mas vou fazer assim (e os dedos agora eram três).
Maria gostava muito de bichinhos. Na sua casa ela tinha um cachorro chamado Pet. Ela tinha também três peixes. Um se chamava Papai Bill. O Outro era Mamãe Paola. E o último também se chamava Maria. Que nem ela.
Maria gostava sempre que as luzes estivessem acesas. Ela não gostava de escuro. Até mesmo quando estava no carro, sentada em sua cadeirinha, e entrava em um túnel, logo perguntava:
- Quem apagou a luz?
Maria não tinha medo do escuro. Ela apenas gostava de claridade. Aliás, medo mesmo ela só sentiu uma vez. Era um dia que estava chovendo muito.
E ventava também. Maria não ligava para a chuva. Ela gostava do cheiro que a chuva trazia.
Mas quando ficou de noite a chuva não parou. Nem o vento. E para piorar a luz acabou. Maria correu para perto da mamãe Paola e logo perguntou:
- Quem apagou a luz?
A mamãe falou que a chuva estava muito forte e molhava tudo, por isso apagou a luz. Mas avisou que não era para Maria ficar com medo. Ela iria acender uma vela e tudo ficaria claro outra vez. Era muito importante, porém, que Maria não mexesse na vela, pois o fogo poderia queimar a sua mão.
As velas, entretanto, não adiantaram: A luz era pouca e a chama tremia por causa do vento, fazendo com que as sombras ficassem assustadoras.
Maria correu para perto do seu avô Pedro e voltou a perguntar:
- Quem apagou a luz?
O seu avô coçou o seu bigode e respondeu:- O vento balança o fio. O fio se solta do poste. E o poste não trás luz para a nossa casa.
Maria não ficou satisfeita. Não entendeu porque alguém apagou a luz e o seu medo não tinha passado. Ela estava chorando quando um passarinho verde pousou em sua janela e disse:
- Porque uma menina tão bonita está chorando?
Maria respondeu:
- Porque acabou a luz. E eu estou com medo. E nem minha mãe, nem o meu avô sabem dizer quem apagou a luz.
- Eu sei quem apagou a luz! - disse o passarinho.
- Sabe? Sabe mesmo? E você pode me dizer quem apagou a luz? - perguntava Maria ansiosa.
- Claro. Veja bem: Você já percebeu que, de vez em quando, a luz acaba de noite? - o passarinho perguntou.
- Já. Já sim. - respondeu Maria, prestando muita atenção ao que lhe dizia o passarinho e enxugando as suas lágrimas.
- Você já reparou também que a sua casa fica entre uma rua e uma mata bem verdinha?
- É. Fica mesmo!
- Então, nesta mata vivem muitos animais. Macacos, Capivaras, Passarinhos, Tatus, Gambás e até mesmo Onças. Em algumas noites eles não conseguem dormir. Sabe por que?
- Não. Por que? - perguntou Maria. E quem respondeu esta pergunta foi o Macaco que apareceu de surpresa na janela, dando um susto em Maria.
- As luzes de todos esses prédios iluminam a mata.
- Tem muito poste. E também o farol dos carros nunca param de passar na rua. - completou o Tatu, que enfiava a cara na janela da menina.
- Nossa... - suspirou Maria, reparando bem a cara de sono do Macaco.
- Mas o pior mesmo é aquele letreiro ali. Piscando sem parar. Todos os dias. Bem aqui em cima das nossas cabeças. - A onça era a mais brava.
- Então quando não aguentamos mais ficar sem dormir, todos nós nos reunimos em cima daquela pedra bem alta e desligamos a luz de toda a cidade. - falou o passarinho.
- Um dia, pelo menos, a gente precisa dormir. - continuou a Onça, sendo aplaudida por um monte de animais. Menos a preguiça que não tinha mais força para nada.
- Até mesmo o seu cachorro não consegue dormir todos os dias. Olha como ele está dormindo bem agora, no escurinho. - falou o Macaco.
Maria olhou para o Pet deitado, pensou em como as pessoas que moravam tão perto dos animais não cuidavam deles. E percebeu que enquanto conversava com os animais o seu medo já tinha passado.
- O mais importante, Maria, é que agora você já sabe porque falta luz de noite. Sabe que somos nós que apagamos a luz para poder dormir. E não precisa mais ficar com medo. - quem explicava era a Coruja.
- Isso mesmo, minha amiguinha. Agora se você me dá licença, nós precisamos ir. Temos muito o que dormir. - disse a Onça.
Nesse momento a mamãe chamava Maria.
- Filha. Você está sozinha no quarto? Não está com medo do escuro?
Quando Maria olhou para a janela os animais já tinham ido. Ela pensou em todos aqueles bichinhos deitados e dormindo confortavelmente e responde:
- Não mãe. Medo do escuro nunca mais.
A mamãe não entendeu muito bem, mas gostou de saber que Maria não tinha mais medo de escuro. Deu um abraço bem forte e um sorriso bem grande.

Claudio Junior



segunda-feira, 27 de julho de 2009

Subversa recomenda...

Velório à brasileira – Peça teatral em cartaz no “Centro de Artes da UFF” até o dia 02 de agosto (domingo). Caro leitor, aproveite o último final de semana para comprovar e dar deliciosas risadas com essa comédia à moda brasileira.

Mesmo não sendo um gênero literário muito apreciado pelos teóricos clássicos, a comédia, em nossa sociedade, desempenha fundamental papel, ou seja, o de entreter e divertir homens e mulheres atormentados e oprimidos pelas problemáticas da vida urbana e pós-moderna.
Carnavalizar momentos cotidianos permite que os indivíduos escapem de seus conflitos existenciais e sociais rotineiros, e vivam intensamente os poucos instantes de alegria e comicidade como se fossem únicos e irrecuperáveis.
E é contrariando todo o exposto por Aristóteles em sua emblemática obra de teoria literária, Arte Poética, que nós da Subversa reconhecemos a relevância/importância dessa modalidade teatral, como também a magnificência de uma comédia de texto coeso, dinâmico, interativo, qualitativo e, acima de tudo, merecedor de intermináveis aplausos.

Para os mais curiosos, uma concisa descrição do enredo:

No velório de um funcionário de repartição pública, descobre-se que o falecido acaba de ganhar na loteria. Com isso, todas as pessoas com as quais conviveu durante sua vida se mostram mais interessadas em tirar proveito da situação a velar o amigo. O problema é que o bilhete sumiu.
Começa, então, a maratona pra saber quem fica com o prêmio!
Uma viúva escandalosa, uma vizinha fofoqueira, um espirituoso contraditório, uma irmã com suspeitas intenções, um falso colega, um bêbado inconveniente, um elemento surpresa e uma boa dose de ganância formam o hilário retrato sobre a fragilidade de valores éticos e morais diante da possibilidade de ficar rico.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Uma breve definição do gênero textual: Crônica

Mas o que é crônica?
Este tipo textual lido todos os dias ou semanalmente em jornais e revistas por leitores, que muitas das vezes, nem sabem distingui-los dos outros textos e notícias veiculadas nestes meios de comunicação, porém fazem-nos refletir sobre os acontecimentos cotidianos através do entretenimento e do cômico, é denominado Crônica.
A palavra crônica origina-se dos vocábulos grego, Khrónos, e do latino, Chronica, que significam tempo, por isso, uma das características principais deste gênero textual é o seu caráter contemporâneo, visto que analisa e relata por meio de um olhar atento e, fazendo uso de uma linguagem artística e descontraída os fatos do dia-a-dia.
As pessoas que escrevem crônicas são chamadas de cronistas e possuem a função de escrever textos que abordem assuntos importantes de forma descontraída e casual, sem ser descompromissado.
A história da crônica no Brasil se confunde com a própria trajetória do jornalismo contemporâneo. Vinculada ao entretenimento, de um modo geral, ela começou a consolidar-se no país em meados do século XIX e, desde então, tornou-se um gênero quase obrigatório nos jornais brasileiros. Ligado em sua gênese ao folhetim, isto é, o espaço plural que abrigava uma série de textos voltados ao entretenimento, o termo crônica, durante este período, esteve associado a escritos sobre os mais variados assuntos, da política ao teatro, dos eventos sociais aristocráticos aos esportivos, dos acontecimentos do dia-a-dia ao universo íntimo de cada autor. Hoje o gênero textual crônica está cada vez mais ligado ao cunho jornalístico, devido ao seu ritmo rápido e sua efemeridade, onde o texto flui sem subterfúgios e de acordo com o gosto ágil exigido pelos ledores dos periódicos em circulação.

Delírio nº II, ou Carta aos Suicidas

Amável desertor,

Já viveu a vida... E hoje o que tem é o reverso da glória. Já bebeu da água suja e jantou banquetes fétidos em companhia indesejada. Passou por poucas e boas num sigilo conferido somente a semideuses... Prefiro não dizer tanto, pois talvez tenha razão. Quem sou eu para julgar estes casos da mais grave penúria humana? Afinal, quem sente no peito as amarguras de um amor irrealizado, o silêncio de quem foi para sempre sem deixar recado, o desespero de tentar com a maior força e não conseguir, sente não haver dor maior no mundo que se compare a sua! Embora conheça a indiferença que lhe aguarda... Mas indiferença que vem de fora; afinal, o mundo que passa por seus olhos, não é o mesmo mundo que seus olhos perpassam.
Diria: “Pobre minuto...” Quando busca a alegria, tem o dissabor; quer a fama, alcança o anonimato; implora por amor, recebe o desprezo, no entanto ainda busca cegamente alimentar o ego no futuro e chama isto de sonho. Mas bem sabe, desertor, que não há fórmulas para a felicidade. Se é que ela existe, ou não passa dessas verdades que não são mais do que mentiras sem porquê. Ainda havendo tempo, apenas aconselho-lhe como bom companheiro a quem não se negaria a complacência, ou ao menos à sua frente portar-se-ia deste modo se apenas preza as cordialidades formais.
Tenho observado uns deste seu tipo e por mais que lhe possa parecer absurdo, encontrei matéria suficientemente interessante para lhe escrever, ou lhe alertar, como melhor parecer. O ser humano é assim: quando menos se espera, ele tem algo para lhe ensinar. È uma surpresa mesmo! O que não surpreende, desertor, é que, nesta sua classe, as coisas são mais difíceis de serem aprendidas...
Sem mais demora, digo que o que não entende, desertor, é que não há libertação com a morte. Há apenas fim. Fim do que há e início de coisa nenhuma. Não será nem mais nem menos feliz; nem melhor nem pior... O conceito de liberdade, mesmo, não permite tal uso, neste caso; pois quem se livra de algo, livra-se para tornar-se suscetível a outras milhares de oportunidades! E sinto informar-lhe, não é isto o constatado. Melhor empregado seria desistência, abandono, deserção...
Mas logo eu, que não costumo convencer-me facilmente, quanto mais me deixar levar por estas veleidades! Logo eu, que outrora fiz da existência um flagelo, fui aturdido por uma certeza perturbadora. Para você, desertor, que diz haver apenas uma certeza no mundo, sendo esta a morte, devo lhe confessar que, enfim, reconheço o verso da história e acho que também seria interessante compartilhar este assunto com você. A lógica é simples, fruto de inquirições pequenas, senão vulgares: como pode ser a morte a única certeza, sendo que não há morte sem vida? Diria, então, que não há uma única certeza no mundo, mas ao menos duas! E certeza ainda maior e mais convincente é a vida, pois a comprovamos a todo segundo, mesmo sem querer.
Perdoe-me se pareço tratar de assuntos banais, em horas derradeiras; só sinto que deste divagar poderia tirar proveito maior, desertor. Afinal, o que tanto busca este mesmo homem? O que há demais que a vida somente não lhe satisfaz? São, no entanto, as certezas do mundo, essencialmente, oposições uma de outra e sendo (de duas, uma) o que lhe restou, é natural que as entenda. É seu o mundo. Como uma questão de economia, sugere-se o aproveitamento do que lhe foi incumbido.
Veja quanta cor traz o céu de hoje, desertor! Esqueça o salto pela janela e ouça o pássaro na sacada. Sinta-se a si mesmo, que ninguém, além de você mesmo, de você esqueceu. Ah, a vida, desertor... Todo dia é uma vida que pode ser.
Os mesmos campos que lhe enlaçam com a paz de flores calmas, nascerão sob uma aurora de chumbo; a mesma Igreja que lhe prega a palavra de Deus, faz-lhe reconhecer a retórica do Diabo; no mesmo palco onde canta a miséria, passa o carnaval; o mesmo tempo que lhe consome, é a sua condição inexorável de viver. E no final das contas, ainda haverá vez, desertor, para o mais pessimista dizer, em seu leito de morte, que a vida é boa. A vida é boa...